domingo, 18 de abril de 2010

MATÉRIA ESPECIAL: JOBSON,O CRAQUE E O CRACK


Com fé, terapia e treinos, Jóbson espera retomar a carreira interrompida pelo consumo de droga

Em Brasília, o atacante Jóbson entra em campo envergando a camisa 9. Forma a dupla de ataque com o ídolo Fernando Torres. O restante da equipe é o Atlético de Madri de 2009. Logicamente, não se trata de uma cena real, mas virtual. É assim que o ex-atacante do Botafogo se escala no Fifa 2010. O videogame é uma forma de Jóbson fantasiar a volta aos gramados. Na realidade, ele está em uma casa modesta e inacabada próximo à periferia brasiliense de Samambaia, onde a terra batida ocupa uma área bem maior que o asfalto.
O cotidiano é mais duro que as imagens que brilham na tela. Em janeiro, Jóbson foi suspenso por dois anos do futebol pelo uso de crack, droga derivada da cocaína.
Da casa, em que vive com a mulher, o filho recém-nascido e a mãe, que largou tudo no Pará a fim de ajudá-lo, Jóbson sai poucas vezes. Pela manhã e à tarde treina no Brasiliense, com os outros jogadores ou separado, conforme a ocasião. O novo treinador é Roberto Fernandes, responsável por sua subida ao profissional em 2006 e que concede alguns benefícios ao atleta. Duas vezes por semana, Jóbson é liberado dos treinos para consultas com o psicólogo. A ausência também é consentida nos treinos abertos para a imprensa para evitar aglomerações. Desde sua volta a Brasília, pouquíssimos repórteres conseguiram ouvi-lo. Para chegar até ele, há um longo caminho: empresário, dono do Brasiliense (o político Luiz Estevão), outro empresário, mãe e esposa. E, mesmo passando por cada etapa, nada está garantido. O último e mais difícil obstáculo é o próprio Jóbson, avesso a jornalistas.
Em busca de uma conversa com o atleta, foram necessários vários litros de gasolina e muita persistência. O ex-botafoguense marcou três encontros em dois dias: na igreja que frequenta, no treino do Brasiliense e em um shopping center. Faltou a todos. O bate-papo só aconteceu depois que todos seus familiares e amigos foram contatados para aprovar a entrevista. A única exigência era que não fossem tratados temas referentes a seu julgamento. De acordo. Mas ele bem sabia que seria algo inevitável. Sua vida gira em torno dessa decisão.
Com apenas 22 anos, Jóbson parece viver como um jogo com várias alternâncias de placar. Em menos de um ano, teve boa passagem pelo Jeju United, da Coreia do Sul, sua namorada engravidou, foi rejeitado pelo Flamengo, virou ídolo do Botafogo e conseguiu um pré-contrato com o Cruzeiro com salários 25 000 reais a mais do que ganhava no Alvinegro - ou que deveria ganhar, já que o clube deve cerca de 155 000 reais ao jogador, segundo seu empresário.
Junto do nascimento de seu filho, Victor Leandro, porém, veio a notícia de que havia sido flagrado no exame antidoping por duas vezes. Testes após os jogos contra Coritiba (estreia em que marcou um gol e foi chamado de "rei" pela torcida alvinegra) e Palmeiras, seu time do coração, detectaram indícios de cocaína. Jóbson, diante das autoridades, negou.
Para o espanto de muitos, durante o último julgamento no Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), em janeiro, o jogador confessou ter usado crack, e não cocaína pura, mais de uma vez desde a época do Brasiliense. Jóbson foi afastado do futebol profissional por dois anos, mas a pena poderia ter sido mais severa. Segundo a lei, se um mesmo jogador é pego duas vezes pelo doping, a suspensão deve ser vitalícia. Mas os julgadores juntaram a dupla acusação em uma. Desde então, o jogador não recebe dinheiro de nenhum clube e assim será até 2012 caso não haja uma redução da pena no próximo julgamento, ainda sem previsão para acontecer.
"Estou fazendo o possível para esquecer e dar a volta por cima", inicia a conversa o jogador, entre longas pausas, pelas ruas estreitas que circundam a casa de sua sogra.
Com tênis e camisa de grife, Jóbson mostra-se sereno. O único momento de mágoa se revela quando fala de seu ex-futuro time. "Eles podiam diminuir a condição financeira, mas não me deixar largado", diz. "Quando pegar o Cruzeiro, vou massacrar, fazer três gols para desabafar." Mas, como um súbito de consciência, logo se arrepende. "Também não tem o que falar dessa parte deles. Eles não acreditaram." E emenda quase como um sussurro: "Vacilei mesmo, não tem o que falar"
Na visão do atacante, o prejuízo em sua carreira se deve em parte à ausência de malícia. Após as noitadas cariocas, os mais experientes sabiam como fugir da coleta para o doping. "Eles usam, 'dão migué', falam que se machucaram; passam seis dias e estão bonzinhos", diz.
Já para o presidente do Botafogo, Maurício Assumpção, Jóbson tem sua parcela de culpa e precisa ser tratado: "Nunca foi escondido o problema dele com álcool. Tenho muito carinho por ele e o quero no Botafogo. Mas ele precisa encarar sua doença", opina.
Ao recordar momentos mais leves de sua passagem pelo Rio, como as comemorações musicais após os gols, Jóbson tenta manter-se de astral elevado, mas admite que muitas vezes não encontra força de ir para a rua. "Quando saiu a notícia, na minha cidade, chegou um momento que tive vergonha de andar na rua, andava de cabeça baixa. Às vezes ainda acontece", diz. "Cheguei a pensar em me matar, em desistir."
Além de ligações para o psicólogo a qualquer hora, Jóbson também busca força na religião. Mais de uma vez por semana vai a uma casa de dois andares pintada de amarelo-claro com letras grafadas "Assembleia de Deus", em azul. Lá, recebe a ajuda de um pastor, que, segundo Jóbson, já lhe retirou mau-olhado e macumbas feitas por pessoas que o invejavam. A fé do jogador cresceu no apuro e, em grande parte, pela influência da mãe, que começou a levá-lo aos cultos. "Minha mãe foi a que sentiu mais dor. Escutava ela chorando. Tenho certeza que ainda vou dar muita coisa pra ela", diz, sem tremer a voz, prometendo terminar a casa que começou a erguer para a mãe no Pará. "Ela pensou que eu fosse ser bandido. Que ia voltar para a mesma vida da infância. Bateu desespero."
Para a agonia de sua mãe, desde pequeno, já craque nas peladas e conhecido pelo apelido de "Imagem do Cão", Jóbson sempre andou com companhias não muito bem-vistas entre os vizinhos. Por sua cidade, em Conceição do Araguaia, no Pará, realizava pequenos furtos, voltando todo dia com uma bicicleta nova para casa.
Maus conselhos também não faltaram dos companheiros mais velhos. Antes dos 17 anos, quando jogava pela Ponte Preta do Pará, Jóbson recebeu a sugestão de virar "gato", alterando seu nascimento de 1988 para 1990. Pouco antes de acertar sua transferência para o Corinthians, contudo, um conhecido o alertou sobre os perigos da medida e Jóbson desistiu de "rejuvenescer".
Em sua passagem pelo Botafogo, segundo ele, foi por causa das tentações da Cidade Maravilhosa e não pelas companhias que "tudo desandou". E não foi por falta de orientação: "Eu já sabia como o Rio de Janeiro era. Foi vacilo mesmo", diz Jóbson.
Em Brasília, seus antigos companheiros de balada não o enxergam como um desregrado. Thiago Félix, que subiu para o profissional com Jóbson e ainda defende o Brasiliense, afirma que o ex-companheiro é um dos mais humildes com quem jogou. "Nunca fez nenhuma bobagem, e sempre saíamos para o pagode com o Versailles todo acabado dele", diz.
Fãs do Exaltasamba, os dois atacantes tinham até um esquema para levar o bicho da partida. Como disputavam a mesma posição, quando o jogo já estava garantido um deles sempre fingia uma contusão - quase sempre um desconforto na coxa - e pedia para ser substituído, dando lugar ao outro.
Com tempo para pensar no futuro, Jóbson revela que seu grande sonho é o Palmeiras. Para isso, corre todos os dias. Quer ser o mais rápido do mundo. Detalhe: no game, o Jóbson de Jóbson está editado com a velocidade máxima, talvez numa tentativa inconsciente de correr em busca do tempo perdido.
FONTE: GUILHERME PAVARIN DE CARVALHO(REVISTA PLACAR)

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